Andrea Guerreiro | Mãe do Nico e da Mia

A minha mãe sempre me disse que não tinha podido amamentar porque “não fazia bico”. Queria preparar-me para a eventualidade de acontecer o mesmo comigo, porque as nossas mamas são semelhantes.


Quando a Mia nasceu, eu não sabia nada de amamentação. Não sabia sequer que havia alguma coisa para saber. Ainda no recobro, sugeriram que pusesse a bebé no peito. Lembro-me daquela sensação como se fosse hoje: o momento em que ela agarrou a minha mama foi o momento em que se estabeleceu a nossa vinculação. Foi muito intenso. Naquele instante,
pareceu-me bastante simples amamentar. Como é que me tinha convencido de que não conseguiria?

No dia seguinte ao nascimento, a Mia foi pesada e tinha perdido mais de 10% do peso. Bastaram 20 gramas de diferença face ao tabelado e recebi a sentença de “leite fraco”. A neonatalogista de serviço prescreveu-lhe 30ml de fórmula a seguir à mamada e eu cumpri a indicação. Como a bebé bolsava muito, comentei com a médica que achava que ela não precisava da fórmula, que só com o peito ficava saciada. Ao que me respondeu que desse
menos mama, para que ela conseguisse beber a fórmula. Percebi que dali não ia conseguir nada, calei-me e fiquei à espera da alta.


Fomos para casa e nessa noite não lhe dei fórmula. O meu instinto dizia-me que a bebé não precisava. No entanto, mãe de primeira viagem como era, caí nas malhas da insegurança. Quando ela chorava, comecei a achar que tinha fome e, em vez de a pôr ao peito, como não tinham passado ainda 3 horas desde a última mamada, preparava um biberão de 30ml.

Andei dois ou três dias nestas tentativas de lhe tirar a fórmula sozinha, até que as dúvidas e o cansaço me consumiram. Precisava de ajuda.
Na altura vivia na praceta em frente às primeiras instalações da Clínica Amamentos, que tinha um letreiro chamativo que dizia “1ª Clínica de Amamentação de Lisboa”. Não me passou despercebido. Liguei e marquei uma consulta sem saber para o que ia. A consulta foi marcada para o próprio dia, o que me fez sentir que esta minha vontade de amamentar em
exclusivo não era fútil, tinha relevância. Tínhamos de agir o quanto antes.

Nesse encontro, recebemos o nosso primeiro banho de informação sobre amamentação e aprendi a lição que demorei a conseguir executar: bastava ter confiança em mim e nas minhas mamas. Vim para casa cheia de coragem e muito aliviada por ter recebido validação. Mas a Mia continuava a não parecer saciada e ao longo das semanas seguintes fomos percebendo que punha muito pouco peso. A minha boa vontade não parecia estar a ser
suficiente. Iniciámos um processo de aumento de fluxo de leite com suplementação com sonda na mama e a toma de um galactogogo para aumento da prolactina. Finalmente o peso da Mia encarrilou e passei a amamentar em exclusivo, sem nenhum tipo de ajudas.


Amamentei em exclusivo até aos 6 meses, altura em que a bebé iniciou a introdução alimentar por BLW. Nos meses seguintes, fomos fazendo ajustes para que a amamentação fosse prazerosa para ambas. Por exemplo, por volta dos 9 meses senti necessidade que a Mia se desvinculasse da mama como forma de adormecer. No registo que mantínhamos, ela não só precisava de mim para se alimentar, como também precisava de mim para dormir.


Sentia-me refém da situação e não queria comprometer a minha vontade de amamentar. Por esse motivo, passei a adormecê-la no colo ou diretamente no berço e, com isto, a nossa experiência de amamentação ganhou novo ânimo.

Aos 21 meses a Mia mamava duas vezes por dia, ao acordar e ao deitar, apenas de uma mama, e nunca pedia para mamar noutras ocasiões. Numa manhã, sentei-a ao meu colo para mamar e ela virou a cara. Esperneou para se libertar de mim. Nesse mesmo dia à noite, repetiu o comportamento. Insisti durante mais dois dias e ela agia sempre da mesma forma.

Fiquei em choque. Não sabia bem o que se passava. Ela ainda nem tinha dois anos! Nos encontros da LLL tinha ouvido falar em falso desmame e convenci-me que pudesse ser isso. Voltaria a mamar, era uma situação temporária. Decidi deixar de oferecer a mama, para não a pressionar… E ela nunca mais pediu. Quando percebi que era definitivo, andei uma
semana a chorar pelos cantos. Devia estar grata por ter um processo de desmame pacifico. Devia estar grata por ter sido ela a ter a iniciativa. Mas estava destroçada. Disse ao meu marido: “Agora qualquer um pode criá-la”. Tinha sonhado amamentar durante a gravidez do segundo filho e ainda nem estava grávida! Tinha sonhado amamentar dois filhos em tandem.
Lá se foram os planos…

Engravidei novamente.
Entretanto, já tinha absorvido muita informação sobre parto e aleitamento materno. Queria uma experiência com menos interferências e fui à luta. Mudei de obstetra, arranjei uma doula e comecei a preparar um parto hospitalar respeitado.
Mas quando estava grávida de 6 meses, rebentou a pandemia Covid-19. Notícias de separação de mães e de bebés nos hospitais. Desperdício de leite materno. Induções de parto sem motivo clínico. Ah, não. Comigo não. Não vou dar para esse peditório. Ainda tinha tempo e comecei a planear um parto domiciliar. Mas na eventualidade de o desfecho ser um parto hospitalar, fiz um plano de parto extensivo no que respeita à amamentação. Consistia no seguinte:

  • Quero amamentar.
  • Quero iniciar a amamentação no pós-parto imediato.
  • Não autorizo que o bebé seja alimentado com fórmula.
  • Em caso de cesariana, quero amamentar.
  • Estando inconsciente, quero que a minha doula, que é consultora de lactação (IBCLC) leve o bebé ao meu peito e fique responsável por gerir os tempos de amamentação.
  • Em nenhuma circunstância autorizo o uso (ou sugestionamento) de bicos de silicone.
  • Em nenhuma circunstância admito que seja oferecida chupeta ao bebé.
  • Em caso de situação de saúde extrema que me afete a mim ou ao bebé, e mediante autorização minha ou do pai, aceito a administração de fórmula por copo, sonda, colher, seringa ou conta-gotas. Nunca por biberão.
  • Quero amamentar em livre demanda.
  • Não aceito ser compelida a amamentar de 3h em 3h, nem tão pouco obrigada a acordar o bebé para o amamentar.
  • Não quero que acordem o bebé ou interrompam a amamentação para
    realização de procedimentos que podem ser adiados, como sendo, banhos, pesagens, medições e testes.

O Nico nasceu em casa, num ambiente cheio de ocitocina. Depois de nascer, veio para o meu peito. Procurou e achou a mama sozinho. Mama quando quer, por todos os motivos e mais alguns. Nunca é acordado para mamar. Não se controlam as horas, nem as durações da mamada. Às vezes dou uma mama, outras vezes dou as duas. Não quero saber se mama da direita ou da esquerda. Não fazemos contas aos chichis, nem aos cocós. Há muita abundância de leite, tanta que se engasga frequentemente. Tudo flui. Desta vez, foi mais fácil lidar com a subida do leite e houve mais disposição para combater uma mastite que me levou à cama. Na bagagem trago as couves e os mamilos de prata.


Mas nem o sucesso desta segunda experiência de amamentação me tranquilizou completamente. Quando o Nico foi pesado na primeira consulta de pediatria, tremi por dentro. Todas as memórias das dificuldades sentidas com a Mia vieram à flor da pele, aquela angústia de lutar contra o tempo e contra a balança. Felizmente comprovou-se que é um
bebé grande e bem constituído. É delicioso vê-lo mamar. Vai mamar até que queira.